quarta-feira, 25 de maio de 2011

A Maldição de João

João certa vez realizou uma oficina literária, querendo aprimorar seu talento na arte da escrita. Mesmo achando todos os escritores clássicos e suas obras um “saco” repleto de palavras complicadas e textos densos, João se compadecia do respeito.


Na oficina, freqüentada todas as terças, ele conheceu uma moça. Não deveria ter mais de trinta anos. Não era bonita. Usava um óculo fundo de garrafa e sempre se vestia de forma estranha, como uma alternativa. Ela sabia tudo. Todas as grandes obras, o nome dos personagens e seus respectivos autores. Conhecia Proust como ninguém. Devorara todos os romances de Heminghway – este mesmo, que tinha se matado com um tiro na cabeça -.


Já João, gostava das novelas de Stephen King ou dos suspenses forenses produzidos por John Grisham. Sabia bem das dificuldades de King, que, ao escrever seu primeiro romance de sucesso, jogou o original no lixo, achando que não tinha talento para tanto. Lembrava de uma entrevista de Grisham, o qual tivera seus romances rejeitados por todas as editoras até uma pequena finalmente apostar em seu talento.


Todavia, a amante de Proust, pouco dava atenção a autores contemporâneos, da mesma forma que poucos pagariam por um quadro de Van Gogh quando o mesmo ainda era vivo.


Mesmo sabendo, de cabo a rabo, todos os grandes romances da história, a pobre coitada mal sabia escrever um conto. Quanto mais, aumentar um ponto. Percebia-se que era uma pessoa extremamente frustrada. Faltava-lhe o talento. Não na forma do texto, e sim, na criatividade. Ela sabia, mas escondia de si mesmo, que escrever é – acima de tudo – criar. De nada adiantariam as chatas regras gramaticais, se as mesmas poderiam ser revisadas por qualquer especialista em letras, sem talento algum para escrever um bom romance.


Voltando a João, ele se mostrava o melhor aluno da sala. Seus contos eram – de longe – os mais envolventes e criativos. Notava-se um dom nato e que cativou até mesmo seu professor, um dos maiores escritores brasileiros da atualidade. Um jovem que, desde os doze anos de idade, encontrara qual era sua vocação e a tinha aceitado como missão.


Mas, a moça de óculo o odiava. Assim como muitos outros. Os medíocres não conseguiam aceitar a superioridade de João. Talvez fosse inveja. Mas ele se sentia como o próprio Proust: destinado a reservar quatro lugares em um restaurante, para ter a paz de sentar-se a sós.


Não queria brilho, nem estrelas. Queria conversar com as linhas e entender as palavras. Procurava conhecer o ser humano, sem adentrar sem sua seara. Um mero observador. No fundo, sabia bem a maldição que carregava em seu coração. E no fundo, estava preparado para ser mais um incompreendido que um dia faria o ser humano compreender muito melhor a si mesmo.

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