sábado, 30 de julho de 2011

O Paletó

E andava por aquelas bandas um velho litigante que tinha a alcunha de
Aguardente. Ébrio habitual, a bebida era menos amarga do que a vida.
Casara-se com dona Esmeralda, moça educada em colégio de freiras, lá em
Petrópolis. Tinha aptidão por letras, o que a levou a lecionar Francês e
Latim. Manhã, tarde e noite. Não se rendia ao tempo, nem ao cansaço.
O rotineiro Aguardente era o primeiro a chegar ao bar e ultimo sair. Certo
dia, trocando as pernas, deparou-se com um bilhete umedecido. Pois bem,
se embriagado não estivesse, usaria a lógica para saber que nada valia. Fora
jogado por qualquer pé-rapado sem sorte. Todavia, enfiou o bilhete no
bolso no paletó e cambaleou para casa. Desabou na cama como pedra, de
roupa, sapato e até óculos.
Roncava tão alto que Dona Esmeralda ficava insone. Já procurara médico,
macumbeiro, curandeiro e nada adiantara. O ronco continuou.
Saindo mais cedo do que Aguardente, Esmeralda deu-se a permissão para
pegar seu paletó para se proteger do frio que fazia no caminho da casa à
escola.
O ébrio hibernou um pouco e também se pôs de pé, com uma fissura
imensa de tomar o primeiro gole. No bar, tratou de logo pedir uma dose da
cachaça mais barata. Revistando o corpo, atrás de seu habitual cigarro
diário, notou que esquecera o paletó em casa. E para casa só voltaria se
pudesse levar o bar consigo.
Por volta do meio-dia apareceu um rapaz, dos 15 ou 16, gritando que um
cidadão do bairro tinha ganhado na loteria.
Contou também a história da dona que admitiu ter “achado” o bilhete.
- Como podes? Que cousa boçal. Perdeu o próprio bilhete e não sei quantos
milhares de reais. – proclamava o dono do bar com a voz alterada.
- Não foste tu que deste por perdido um bilhete da loteria? – o rapaz
indagou o dono. – Vai saber. As vezes ganhaste e nunca ficarás sabendo.
Aguardente, prestando atenção na conversa, disparou: há pior mazela
mundana do que perder milhares de reais? Decerto iria me matar.
E, ao final do dia, chegou à casa e encontrou o armário de dona Esmeralda
vazio.
Em cima da cama jazia um bilhete:” querido esposo, ganhei uma bolada e
parti. Por favor, não guarde ressentimento. Lembre-se do homem que
perdeu o bilhete da loteria. Poderia acontecer cousa pior?”

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